domingo, 25 de abril de 2010

AMAR A MAR BATIDO - A Project by BILMA

ECRÃ 16:9 - Escrita branca sobre fundo preto, em silêncio:

Mata-me a mar
com gosto a vento
sob nós a areia
que sulcamos
de estranho alento!

INTRO - O silêncio persiste, o ecrã negro também, entra a voz off:

A língua de areia que dobra o Tejo segue a sul, em direcção a um sol mais assíduo.
E é de pés bem assentes nessa, fina e dourada que, à direita, se avista Sintra e a sua perpétua névoa, como que um floco de algodão sobre o cume.
Verão no pino, é bem ali que o sol espraia os seus últimos raios, o recorte do Palácio da Pena bem definido contra um púrpura que anuncia, tão longe daqui, mar farto de peixe já em frente.
À esquerda, o promontório de onde nos vigia Nossa Senhora dos Navegantes, capela bem à ponta da escarpa, destino de romaria que, em tempos, nem na Cova da Iria tinha par.
Da vista desse Espichel nem o mar corso nos furta, uma presença bela mas como que fantasmagórica, um pedaço de terra como uma estaca espetada bem no peito desse mar que tanto dá e lá vai tirando.
É talvez por isso que não o dobramos, nunca.
É como um Adamastor de poetas mais humildes.
O cabo é a real a fronteira com o Sul.
Uma linha que as duas geografias, a humana e a outra, tornam mais evidentes que quaisquer administrações.
Dali para baixo, a maior baía portuguesa, Sesimbra, Setúbal, Tróia e a mágica Arrábida que apascenta as águas, azul cobalto de se ver o fundo, um mar que não se faz ouvir, daquele que só serve para olhar, parece que não foi lá posto para outra coisa. Só depois a costa mais selvagem da Europa.
Mas, aqui, equidistantes do Monte da Lua e da Serra do Sol, mesmo em frente, à distância de poucos passos, o mar até ao fim.
Bravo, corso, irado e, às vezes, chão.
Atrás, a arriba, amarela e laranja vivo ao ocaso, já o grito das gralhas anuncia a recolha da nortada.
No topo desta, o Parque Natural da Arriba Fóssil, reserva botânica de onde descem raposas e texugos em busca do peixe que deixamos na areia.
A Apostiça, uma mancha florestal que vai daqui ao pinhal de Coina, refúgio de cucos, bufos reais, águias-de-asa-redonda, falcões peneireiros, pegas rabudas e bicharada de menor monta mas não importância.
A lagoa de Albufeira, sustento das gentes quando o mar não deixa sair as chatas.
A estrada conspurcada pelas raízes do pinheiro manso mas coberta pelas copas dos mesmos, que traz forasteiros de estio.
Vêm de Lisboa, a escassos 15 minutos, e de muito mais além.
Mas não sabem que há vida na Fonte da Telha aldeia, para lá da Fonte da Telha praia.
Uma vida daquela que morre por essa costa lusa acima.
Uma vida que um falso progresso mata a golpes de prédios para forasteiro ver.
Lugares de quem lá vive mudados ao gosto de quem lá vai.
Não aqui.
É amar incondicionalmente ou largar agora.
Porque o que se mostra aqui é um Portugal inteiro que se perdeu...

INÍCIO - Tasca do Zé, o estabelecimento mais antigo da Fonte da Telha, 17h32

Faísca, um antigo, está ao balcão, esse que veio, há mais de 50 anos, de uma padaria que fechara em Lisboa. Entra Mário Rui e queda-se ao lado do outro. Fita a câmara e pergunta-lhe:
Mário Rui: Atã qué istatão?
Faísca: É sê lá. Parece q'andem a fazer umas filmáges àcá d'agente!

Entra GENÉRICO - Ao som desta, fast forward do Marquês do Pombal à Fonte da Telha. A imagem pára ao mesmo tempo que a música e é o som do mar que fica, durante 30 segundos. Todo o ecrã é a praia. Passa, da direita para a esquerda, um tractor que puxa uma chata. Atrás deste vem o título:

AMAR A MAR BATIDO

Texto Nuno Miguel Dias
Fotografia Zito Colaço

terça-feira, 13 de abril de 2010

Gralhas Macumbeiras - As maiores da Península Ibérica

Missiva sentida de um cidadão, mas de quando ser-se cidadão tinha algum peso, dirigida a (escolha uma hipótese):
Presidente da Câmara Municipal de Almada
Instituto da Conservação da Natureza e Biodiversidade
Paisagem Protegida da Arriba Fóssil da Costa de Caparica
Polícia Marítima / Guarda Florestal

Seria, no mínimo, estranho verificar que, num mundo onde a descentralização já provou ser, mais que essencial, incontornável para o desenvolvimento de qualquer país (excluem-se, aqui, claro, os países ditos de Terceiro Mundo), Almada é um concelho onde, em pleno século XXI, as suas franjas são manifestamente descuradas em proveito da cidade-sede. Almada tem metro, Almada não aceita que o poder central avance com o projecto para as antigas instalações da Lisnave, Almada investe em outdoors que "aconselhem" os seus munícipes a pintar os prédios para que, depois de concluído o Programa Polis para a Costa de Caparica, os "estrangeiros" que visitam as praias possam não ficar chocados com o aspecto do trajecto, Almada gasta milhões de euros para que a melhor engenharia do ambiente possa conceber, de raiz, um "pulmão" para a cidade (ou apenas para que os visitantes do Fórum Almada possam "lavar as vistas" no Parque da Paz) e, simultaneamente, condena a Mata dos Medos, que integra a Paisagem Protegida da Arriba Fóssil da Costa de Caparica, nos seus limites concelhios, ao abate de centenas de pinheiros mansos para a construção de uma estrada que servirá...a quem vem de fora. Ironicamente, esses que de fora vêm visitam o concelho não porque tem um metro à superfície ou um Parque da Paz, mas sim porque sabem que, ali, quase no concelho do Seixal (e, neste momento, os munícipes Almadenses têm TODO e MAIS ALGUM direito de acreditar que tal mudança de limites traria mais e melhores vantagens), existe uma mancha florestal inigualável num raio de 50 quilómetros de Lisboa. Que é estranhamente (ou não) ignorada pelos poderes a quem compete. Se há vigilância, ou é pouca ou levada a cabo por incompetentes. E a incompetência sai cara onde quer que grasse. Cicloturistas e caminhantes, sim. Motociclistas e amantes de TT não. Sabemos que a maioria são filhos dos mais abastados. Mas há limites ao favoritismo que resulta em facilitismo. Da mesma forma como se limitam as populações de estorninhos ou pombos em aeroportos, haja quem desenvolva os sons da floresta ao seu espaço. E se o naturismo praticado nas areias a sul da Fonte da Telha poderá ser um sintoma positivo, atestando o seu isolamento pela floresta, a muitos custará saber que o guia Spartkus concede uma página à Mata dos Medos. Não se pense que existe aqui algum preconceito. Há, apenas, um especial prazer em levar os filhos a passear na floresta e, no entanto, alguma dificuldade em responder como "o que estão aqueles dois senhores a fazer?" Até nas cidades a prostituição é feita a coberto da noite. O desplante resulta da demasiada permissividade. Perservativos não são, infelizmente, o único lixo. E o entulho rivaliza com a esteva. E essa é já rara.
Órgãos competentes devidamente vigilantes nunca permitiriam que as acácias (ou mimosas, como lhes chamam os populares) houvessem roubado, ao longo dos anos, cada vez mais espaço às espécies autócnes. O que não dariam tantos dos países mediterrânios para tal concentração de pinheiro manso, e, poder assim, voltar a ter uma floresta mediterrânia digna de tal epíteto. Nós, pelos vistos, nada daríamos. Mas há quem dê a mais. Local de arribação de veraneantes, calha bem vir à Margem Sul abandonar o cão que se tornou, entretanto, grande demais e incomodará nas férias que se avizinham. Hoje há, na Paisagem Protegida da Arriba Fóssil da Costa de Caparica, pelos menos, três matinhas de cães domésticos que, por via do infortúnio, se tornaram selvagens, agressivos. Claro que os mesmos não representam perigo para quem passa, de moto4, a toda a brida, abrindo novos caminhos a cada semana. As famílias, porém, que caminham a pé, respeitando ciclos, fauna e flora, têm o que recear. É, no mínimo, irónico. Ou não, tendo em conta a incúria. A mesma que faz com que seja cada vez mais difícil avistar raposas, furões, texugos, ouriços, lontras, répteis, águias, mochos, falcões peneireiros, garças cinzentas, patos reais, corvos marinhos, corujas das torres, guarda rios. As gralhas, essas, são bem visíveis e audíveis durante todo o dia. E, consta, são as maiores da Península Ibérica. Será por terem, à sua disposição, tanta variedade disponibilizada pelas inúmeras "macumbas" ao longo do pinhal? Até já um bode sacrificado se encontrou, rodeado de fruta e flores, por deus (iemanjá, caipora, saci ou o que seja).
Tudo isto acontece porque há uma espécie de dolência (para não lhe chamar completa inacção) que não nos permite falar dos tais países do dito Terceiro Mundo sem nos olharmos ao espelho. Até nesses lugares, alguém fez alguma coisa quanto à caça furtiva.
Aqui? Afixam-se cartazes como "Pinte o seu prédio. Evite as penalizações", não vá o veraneante ficar horrorizado com a cor deslavada dos prédios. Uma das manchas florestais mais ricas de Portugal? O que é que isso interessa?


Ass:Um cidadão preocupado e, como tal, de identidade omissa, sabendo muito bem para que se mexem as autoridades.